RICOS, POBRES E O REINO DOS CÉUS 2
O mesmo entrave ocorre com os termos ‘louco’, ‘néscio’ que consta na parábola
em comento e em outras partes das Escrituras, termos que são utilizados depois
da acusação feita por Moisés ao povo de Israel: "Recompensais assim ao SENHOR,
povo louco e ignorante? Não é ele teu pai que te adquiriu, te fez e te
estabeleceu?" ( Dt 32:6 ).
Após a abordagem de
Moisés os termos ‘louco’, ‘néscio’, ‘ignorante’ tornaram-se uma ‘figura’
específica empregada ao longo das Escrituras para fazer referencia ao povo de
Israel que eram de dura servil (rebeldes).
O salmo 53 é um exemplo: “DISSE o néscio no seu coração:
Não há Deus. Têm-se corrompido, e cometido abominável iniquidade; não há
ninguém que faça o bem. Deus olhou desde os céus para os filhos dos homens,
para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus.
Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem,
não, nem sequer um. Acaso não têm conhecimento os que praticam a iniquidade, os
quais comem o meu povo como se comessem pão? Eles não invocaram a Deus” ( Sl 53:1
-4).
O ‘néscio’ que se comporta como se Deus não existisse diz dos lideres de
Israel, homens que se alimentavam do povo de Deus como se comessem pão (compare
verso 1 com o 4). Esta figura é utilizada diversas vezes pelos profetas: "Chegarão os dias da punição, chegarão os dias da retribuição;
Israel o saberá; o profeta é um insensato, o homem de espírito é um louco; por
causa da abundância da tua iniquidade também haverá grande ódio" ( Os 9:7 ); "Assim diz o Senhor DEUS: Ai dos profetas loucos, que seguem
o seu próprio espírito e que nada viram!" ( Ez 13:3 ); "Deveras o meu povo está louco, já
não me conhece; são filhos néscios, e não entendidos; são sábios para fazer
mal, mas não sabem fazer o bem" ( Jr 4:22 ); "Atendei, ó brutais dentre o povo; e vós, loucos, quando
sereis sábios?" ( Sl 94:8 ).
Observa-se nas Escrituras que o termo ‘louco’ não é utilizado para fazer
alusão aos gentios, antes somente é empregado para censurar os filhos de
Israel. Esta figura também foi utilizada por Cristo e os apóstolos: "Loucos! Quem fez o exterior não
fez também o interior?" ( Lc 11:40 ); "E ele lhes disse: Ó néscios, e
tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!" ( Lc 24:25 ); "Instrutor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma
da ciência e da verdade na lei" ( Rm 2:20 ).
Quando lemos na parábola: “Louco! esta noite te pedirão a tua
alma; e o que tens preparado, para quem será?”, verifica-se que a
reprimenda de Jesus tem por alvo os judeus, pois este era o público a quem foi
anunciado a parábola do rico.
Outro elemento a se
considerar na parábola é a condição financeira do ‘louco’ e o que ela
representa. Devemos considerar a riqueza do homem louco como perniciosa, ou a
riqueza é uma figura enigmática que demanda ser estudada e desvendada?
No sermão da montanha registrado por Lucas, temos o seguinte discurso: “E, levantando ele os olhos para os seus discípulos, dizia:
Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados
vós, que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, que
agora chorais, porque haveis de rir. Bem-aventurados sereis quando os homens
vos odiarem e quando vos separarem, e vos injuriarem, e rejeitarem o vosso nome
como mau, por causa do Filho do homem. Folgai nesse dia, exultai; porque eis
que é grande o vosso galardão no céu, pois assim faziam os seus pais aos
profetas. Mas ai de vós, ricos! porque já tendes a vossa consolação. Ai de vós,
os que estais fartos, porque tereis fome. Ai de vós, os que agora rides, porque
vos lamentareis e chorareis. Ai de vós quando todos os homens de vós disserem
bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas” ( Lc 6:20
-26).
É significativo o fato de que os que creem em Cristo são descritos como
pobres, e os que rejeitam a Cristo são designados ‘ricos’. Considerando o fato
de que Jesus só falava ao povo utilizando parábolas, significa que Jesus não
estava fazendo distinção entre os seus ouvintes quanto às questões de ordem
financeira e sim quanto aqueles que realizavam a vontade de Deus "Porquanto a vontade daquele que
me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida
eterna; e eu o ressuscitarei no último dia" ( Jo 6:40 ).
Significa que
qualquer que confiar em Cristo, quer seja rico quer seja pobre financeiramente
é bem-aventurado, portanto, pobre, manso, triste, etc. Qualquer que não confia
em Cristo, quer seja rico ou pobre financeiramente é descrito como farto, rico,
etc.
Quando Tiago diz: “EIA, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai, por vossas misérias, que sobre vós hão de
vir. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as
vossas vestes estão comidas de traça. O vosso ouro e a vossa prata
se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e comerá como
fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias. Eis que o jornal dos
trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído,
clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos
exércitos. Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes
os vossos corações, como num dia de matança. Condenastes e
matastes o justo; ele não vos resistiu” ( Tg 5:1 -6),
os ‘ricos’ referem-se aos judeus (ricos) que não creram, condenaram e mataram o
Cristo, de modo que, por rejeitarem a Cristo, o único que tem ouro e prata
aprovados ( Ap 3:18 ), a riquezas deles estavam apodrecidas, as vestes
destruídas e entesouraram ira para o dia do juízo.
Daí a palavra de ordem: “Senti as vossas misérias, e
lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em
tristeza” ( Tg 4:9 ), que é o mesmo que ‘arrependei-vos’ ( At 2:38 ). Por
que deveriam sentir as suas misérias e lamentarem? Porque os judeus rejeitaram
a Cristo por entenderem que possuíam recursos necessários para serem salvos,
mas na verdade eram pobres, cegos e nus "Como dizes: Rico sou, e estou
enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e
miserável, e pobre, e cego, e nu" ( Ap 3:17 ). ‘Sentir a miséria’
e ‘lamentar’ são figuras que rementem às pessoas que mudam de concepção
(arrependimento) dando ouvidos ao anunciador de boas novas, que é Cristo. Se o
contrito de espírito, o manso, o pobre, etc., ouve a mensagem do evangelho e
crê, recebe de Deus glória, gozo, louvor, etc. ( Sl 61:1 -3).
Daí é possível entender a seguinte fala de Jesus: "Quão dificilmente entrarão no
reino de Deus os que têm riquezas!" ( Mc 10:23 ). Os discípulos
ficaram perplexos quando Jesus disse que os que ‘têm riquezas’ dificilmente
entrarão no reino dos céus, pois pensaram que Jesus falava dos abastados
financeiramente.
Porém, diante da admiração dos seus discípulos, Jesus explica: “Filhos, quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar
no reino de Deus!” ( Mc 10:24 ). Quando Jesus disse ser ‘difícil’ os que têm
‘riquezas’, ou seja, que cofiam ‘nas riquezas’ entrar no reino dos céus é
porque os que ‘confiam nas riquezas’ não nasceram de novo e nem possuem obras
maiores que a dos escribas e fariseus ( Jo 3:3 ; Mt 5:20 ).
A vontade de Deus é
que o homem creia em Cristo, porém, os judeus preferiam confiar em sua origem
segundo a carne e nas prescrições da lei. Por serem recalcitrantes, de dura
servis, confiavam em suas ‘riquezas’ e deixavam de confiar em Deus.
Se ‘nascer de novo’
e ter ‘obra superior a dos escribas e fariseus’ é condição essencial para
entrar no reino dos céus, qual riqueza é empecilho à entrada no reino dos
céus?
A ‘riqueza’ em tela
não diz de questões materiais, antes é uma figura que remete aos que fazem da
carne (descendência de Abraão) a sua força (salvação). Em lugar de confiarem em
Deus para serem bem-aventurados ( Jr 17:7 ), os descendentes da carne de Abraão
confiavam em si mesmos, pois constituíam a sua carne o seu próprio braço
(salvação)( Jr 17:5 ).
Sobre os que confiavam na força do seu braço escreveu o apóstolo Paulo: “Nem por serem descendência de Abraão
são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não
são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são
contados como descendência” ( Rm 9:7 -8).
A leitura da parábola do rico ‘louco’ deve ser compreendida em função do
reino dos céus e não em vista das riquezas deste mundo. A percepção do leitor
da parábola deve transcender o senso comum, haja vista que em uma parábola há
enigmas a serem desvendados "E disse-lhes: Não percebeis esta parábola? Como, pois,
entendereis todas as parábolas?" ( Mc 4:13 ).
Quando lemos: “Certamente que os homens de classe baixa são
vaidade, e os homens de ordem elevada são mentira; pesados em balanças, eles
juntos são mais leves do que a vaidade. Não confieis na opressão, nem vos
ensoberbeçais na rapina; se as vossas riquezas aumentam, não ponhais nelas o
coração” ( Sl 62:9 -10), Diante de Deus tanto ricos quanto pobres são
vaidade. Deus não tem em preferência os desprovidos de bens materiais e nem
pretere os nobres da face da terra.
Como Deus não faz
acepção de pessoas, a mensagem: ‘Não confieis na opressão, no roubo, na
violência’ abarca tanto ricos quanto pobres financeiramente.
Para entrar no reino dos céus o homem não deve se utilizar da força ou
da violência, antes é pela palavra de Deus ( Zc 4:6 ). A força, a violência, a
opressão, o roubo, etc., são figuras que ilustram aqueles que querem se salvar
por intermédio das suas obras "As suas teias não prestam para
vestes nem se poderão cobrir com as suas obras; as suas obras são obras de
iniquidade, e obra de violência há nas suas mãos" ( Is 59:6
).
O profeta Isaias estava anunciado a palavra do Senhor ao povo utilizando-se
de parábolas e enigmas, de modo que, ao falar da justiça que decorre da lei,
comparou-a a teias de aranha. A justiça decorrente das suas obras não servia
para cobrir-se diante de Deus. As obras são comparáveis à iniquidade, o mesmo
que obra de violência. Apesar do sacrifício continuo e das orações prolongadas,
tudo era reprovado diante de Deus “Não continueis a trazer ofertas vãs; o
incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a convocação
das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo a reunião solene. As
vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me são
pesadas; já estou cansado de as sofrer. Por isso, quando estendeis as vossas
mãos, escondo de vós os meus olhos; e ainda que multipliqueis as vossas
orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue.
Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus
olhos; cessai de fazer mal” ( Is 1:13 -16).
Se há uma obra, a
recompensa, o salário, o ganho é certo, de modo que as ‘obras de iniquidade’
são descritas como ganho de opressão, ganho de violência, atos de maldade.
Qualquer que se lança às ofertas vãs, às orações prolongadas, aos sábados, as
reuniões solenes, etc., multiplica suas obras de violência e entesoura para si
o seu ganho. O ‘tesouro’, a ‘riqueza’ amealhada em função destas práticas é
produto de opressão, porém, o povo de Israel aumentava as suas obras
acreditando que as suas riquezas seriam suficientes para alcançar salvação,
posto que o coração deles estavam fiados em suas obras ( Sl 62:9 -10).
Quando Jesus diz: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma
agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” ( Mc 10:25 ), interpôs uma
impossibilidade natural (passar um camelo pelo fundo de uma agulha) para
demonstrar que a impossibilidade de alguém que ‘confia’ nas ‘riquezas’ entrar
no reino de Deus é maior.
O texto deve ser compreendido a partir do seguinte princípio: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e
amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a
Deus e a Mamom” ( Mt 6:24 ). Ora, o tesouro prende o coração do homem, o que o
impede de amar (servir) a Deus de todo o seu coração “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso
coração” ( Mt 6:21 ).
Tudo o que o homem
adquire de Deus deve ser sem dinheiro e sem preço. Quando o homem adquire uma
riqueza por meio da força do seu braço (obras da lei), passa a possuir um
tesouro que assume a condição de um ídolo (Mamom), pois o homem deixa de
confiar na graça de Deus para confiar na sua riqueza ( Sl 62:9 -10).
O homem passa a servir a Mamom quando não ouve a palavra do Senhor e, ao
porfiar confiando na sua riqueza, torna a sua própria vontade um ídolo "Porque a rebelião é como o pecado
de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria. Porquanto tu
rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas
rei" ( 1Sm 15:23 ).
Ora, o maior tesouro do povo de Israel estava na sua origem e na lei, ou
seja, no crente Abraão e em Moisés. Diante do evangelho e da pessoa de Cristo
os filhos de Jacó relutavam em mudarem de concepção apontando para ambos:
Moisés e Abraão "Então
o injuriaram, e disseram: Discípulo dele sejas tu; nós, porém, somos discípulos
de Moisés" ( Jo 9:28 );“Responderam,
e disseram-lhe: Nosso pai é Abraão” ( Jo 8:39 ).
O apóstolo Paulo
elenca quais os entes que compõe a riqueza dos judeus: a nacionalidade
(israelitas), adoção de filhos por serem descendentes de Abraão, a glória, as
alianças, a lei, o culto, as promessas, os pais e Cristo segundo a carne.
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